Contente com a possibilidade, a comissão de cientistas ainda duvidou:
"Olha que isso não é
qualquer coisa, pode ser um desafio até para vocês". E o chefe da publicidade riu e disse: "Somos movidos à desafios!", e em seguida lembrou do famoso caso do
aparelho de barbear a laser, capaz de remover de vez os pelos de qualquer
pessoa. O problema é que sem pelos, não haveria mais a necessidade do
usuário comprar o aparelho, o que o tornaria um objeto descartável, feito
para ser usado uma vez apenas, constituindo um grande problema para a
empresa. Mas bastou uma abordagem inteligente, um ajustezinho, e foi um
sucesso de vendas, que durava até os dias atuais.
E eles trouxeram o novo e revolucionário invento. E o chefe dos
publicitários foi logo perguntando: "O que ele faz?". "Nada, ele não faz
absolutamente nada!", disse o cientista chefe. Os publicitários se entreolharam por um
instante, e depois de cada um examinar pessoalmente o pequeno acessório,
comentaram: "É bonitinho. Mas não faz
nada; quer dizer, não serve para nada mesmo?". "Não, nada!", foi o coro unânime dos cientistas. "Mas, se não serve para nada porque foi criado?".
Aquela era uma pergunta interessante, uma vez que nenhum dos
cientistas sabia responder de forma convincente. E um deles disse: "Foi criado, porque ninguém jamais havia
criado antes um utilitário absolutamente sem função nenhuma!". O chefe dos publicitários sorriu e disse: "Vai ser um sucesso de vendas!". Os outros não conseguiam acreditar naquilo
que acabavam de ouvir. Pensavam consigo mesmos; como uma coisa que não
serve para nada pode se tornar um sucesso de vendas? Perguntaram então: "Estamos tão curiosos que, gostaríamos de
acompanhar a elaboração da campanha. Podemos?". "Claro que sim", disse o outro, "afinal, vamos precisar de mais informações técnicas, sobre
essa pequena maravilha capaz de não fazer nada!".
A confiança do chefe da publicidade convenceu à todos. E no dia e
hora marcada para início dos trabalhos, o inventor foi pessoalmente
explicar sua criação à equipe publicitária. Ele disse:
"Como podem ver, é um aparelho pequeno, leve,
fininho como um cartão de crédito, o que permite guardá-lo com facilidade
em qualquer lugar. Mais ainda; é todo revestido de titânio prensado, última
palavra em materiais duráveis. Assim, tem um tempo de vida útil estimado em
300 anos. É a prova de água, de fogo, de choques, de quedas, uma vez que
não tem nada dentro, e, portanto, nada que possa ser danificado; e não usa
bateria. Mas é uma grande descoberta de nossa equipe de inventores,
especialmente a cor, que é uma cor inexistente...". E antes que pudesse concluir, o chefe dos
redatores completou: "É por isso que será um
sucesso! E mais, ainda não precisa de baterias; perfeito!". E ele explicou como fariam a abordagem.
"Vamos convencer as pessoas, das vantagens em se
possuir um objeto que não serve para nada. Num mundo onde tudo tem uma
utilidade, mesmo que não seja uma necessidade, este produto se destaca por
não servir para absolutamente nada. Trata-se de algo, portanto, que ninguém
ainda possui, diferente de tudo. Todos desejarão um. Depois convenceremos
todos que possuir dois é melhor que um, para um caso de eventual perda
acidental. Vamos enfatizar na campanha, que tal objeto é uma revolução na
conduta do homem desse novo século. Um homem que já possui tudo, e que
agora demonstra seu poder de transformação e desapego ao não desejar nada,
pois é exatamente o que lhe proporcionará o objeto, nada!".
Foi um espetacular sucesso, campanha, produto e as vendas. E aquela
indústria precisou mesmo criar novas linhas de montagens, para atender os
pedidos que não paravam de chegar. Novos modelos foram lançados, novas
cores inexistentes, ou até existentes para atender as preferências de
alguns grupos, e todos com a mesma característica que ajudou a torná-lo o
objeto de desejo mais cobiçado do mundo, não servir para absolutamente
nada.
Passados os anos, o mercado já saturado de tantos objetos de fazer
nada, os "iNadas" como foram chamados, o departamento de
publicidade é chamado para resolver uma nova questão: Como fazer para
manter, ou mesmo incrementar o volume de vendas do produto. Eles sorriram e
disseram:
"Isso é muito simples. Agora vamos incrementar
qualquer coisa ao aparelho e anunciar que se trata de uma renovação daquilo
que já era novo. Por exemplo, vamos acrescentar ao aparelho de fazer nada,
botões coloridos que também não fazem nada, e pode ter certeza de uma
coisa; o sucesso será maior que o modelo original".
E foi.
Notas:
[1]
Alberto Grimm, é escritor de histórias infantis, e agora nos presenteia com
seus contos, como um eventual colaborador do Site de Dicas.
Os contos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair
formidáveis lições de vida, que muito favorece à reflexão.
O autor é Mestre em Filosofia e graduado também em Publicidade e Design
Gráfico.
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