Diversidade religiosa
e direitos humanos “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela) |
Presidente
da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Secretário Especial dos Direitos
Humanos
Nilmário Miranda
Subsecretário de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos
Perly Cipriano
Presidência da República
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Esplanada dos Ministérios, Bl. T, Edifício Sede, 4º andar,
700064-900 Brasilia, DF
direitoshumanos@sedh.gov.br
www.presidencia.gov.br/sedh
Copyright: Secretaria Especial dos Direitos Humanos
É permitida a reprodução total ou
parcial da publicação
devendo citar menção expressa na
fonte de referência.
Impresso no Brasil em novembro de 2004
Distribuição Gratuita
Convênio: Centro Popular de Formação da Juventude (Vida &
Juventude)
Tiragem: 25 mil exemplares
Texto: José Rezende Jr.
Coordenação: Fernando de La Rocque Couto e Daniel Seidel
Consultores: Antônio Olímpio de Sant`Ana,
Carlos Alberto Silva, Carlos Moura e César Bastos.
Colaboração: Célia Gonçalves Souza, Elianildo Nascimento, César
Fernandes e Roberto Costa Araújo.
Projeto Gráfico: Eduardo Carvalho de Almeida Filho
Apoio:
Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (Cenacora)
Centro Nacional de Africanidade e Resistência (Cenarab)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic)
Centro de Referência à Discriminação Religiosa (CRDR)
Iniciativa das Religiões Unidas (URI)
Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro (MIR/RJ)
Conselho Nacional de Ensino Religioso (Conar)
Agradecimentos:
Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Sepir) |
apresentação
O Estado Brasileiro é laico. Isso significa
que ele não deve ter, e não tem religião. Tem, sim, o dever de garantir a
liberdade religiosa. Diz o artigo 5o, inciso VI, da Constituição: “É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias.” A liberdade religiosa é um dos direitos
fundamentais da humanidade, como afirma a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual somos signatários.
A pluralidade, construída por várias raças,
culturas, religiões, permite que todos sejam iguais, cada um com suas
diferenças. É o que faz do Brasil, Brasil. Certamente, deveríamos, pela
diversidade de nossa origem, pela convivência entre os diferentes, servir de
exemplo para o mundo. No Brasil de hoje, a intolerância religiosa não produz
guerras, nem matanças.
Entretanto, muitas vezes, o preconceito
existe e se manifesta pela humilhação imposta àquele que é “diferente”.
Outras vezes o preconceito se manifesta pela violência. No momento em que
alguém é humilhado, discriminado, agredido devido à sua cor ou à sua crença,
ele tem seus direitos constitucionais, seus direitos humanos violados; este
alguém é vítima de um crime – e o Código Penal Brasileiro prevê punição para
os criminosos.
Invadir terreiros de umbanda e candomblé,
que, além de locais sagrados de culto, são também guardiães da memória de
povos arrancados da África e escravizados no Brasil; desrespeitar a
espiritualidade dos povos indígenas, ou
tentar impor a eles a visão de que sua religião é falsa; agredir os
ciganos devido à sua etnia ou crença, mesmo motivo que os levou ao quase
extermínio na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial: tudo isto é intolerância,
é discriminação contra religiões. É o contrário do que pretende o Programa
Nacional dos Direitos Humanos.
O Programa Nacional dos Direitos Humanos
pretende incentivar o diálogo entre os movimentos religiosos, para a
construção de uma sociedade verdadeiramente pluralista, com base no
reconhecimento e no respeito às diferenças.
A presente cartilha, Diversidade
Religiosa e Direitos Humanos, é o resultado de quase um ano e meio de um
trabalho que contou com a participação de várias religiões, e que não se
esgota aqui (outras colaborações podem ser conferidas no site
(www.presidencia.gov.br/sedh). Esta cartilha é a continuidade das muitas
ações de homens e mulheres de boa vontade e diferentes crenças, que, com suas
palavras e seus atos, pretendem construir um país, um mundo melhor. Um país e
um mundo em que ninguém sofra ou pratique injustiça contra seu semelhante. Um
mundo e um país de todos.
Ministro Nilmário Miranda
(Secretaria Especial dos Direitos Humanos)
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declaração
universal
dos direitos humanos Art. XVIII
Toda pessoa tem o direito
à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.” |
Deus quer que seus filhos e filhas vivam em
Paz, como irmãos e irmãs. Ou: Alá quer que seus filhos e filhas vivam em Paz,
como irmãos e irmãs. Ou então: Javé quer que seus filhos e filhas vivam em
Paz, como irmãos e irmãs. Ou ainda: Olorum quer que seus filhos e filhas
vivam em Paz, como irmãos e irmãs.
Deus, Alá, Javé, Olorum, O Grande Espírito, A Deusa,
Brahman… São muitos os nomes pelos quais os seres humanos chamam o Criador.
Mas a vontade dEle é uma só: que seus filhos e filhas vivam em Paz, como
irmãos e irmãs.
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Se é esta a vontade do Criador, quem somos nós para
desafiá-la? E, no entanto, nós a desafiamos. Todas as vezes que discriminamos
nosso semelhante porque ele pensa diferente, ou faz suas preces de maneira
diferente, ou chama o Criador por um nome diferente, nós desafiamos a Sua
vontade. Porque Ele deu a seus filhos e filhas a maior de todas as graças: a
capacidade de pensar. De pensar livre. De pensar diferente.
Quem somos nós, então, para desafiar a vontade do
Criador? E, no entanto,
nós a desafiamos. Discriminamos, ofendemos,
praticamos atos de violência contra nosso semelhante, com a desculpa de que
ele é “diferente”. Foi assim no princípio dos tempos. É assim nos dias de
hoje, neste milênio que mal começou.
Às vésperas do início deste século XXI, em agosto do
ano 2000, atendendo ao chamado da Organização das Nações Unidas (ONU),
centenas de representantes das diferentes religiões do planeta entenderam
que a chegada do novo milênio era uma boa oportunidade, mais uma, para nos
amarmos como irmãos e irmãs. E de darmos as mãos pela Paz na Terra.
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Reunidos em Nova York, no Encontro de Cúpula Mundial de
Lideres Religiosos e Espirituais pela Paz Mundial, lideranças evangélicas,
católicas, budistas, judaicas, islâmicas, espíritas, hinduístas, taoístas,
bahá’ís, esotéricas e de tantas outras religiões antigas e modernas firmaram
um compromisso. O Compromisso com a Paz Global.
O documento começa com uma série de considerações,
sobre as quais vale a pena refletirmos:
• as religiões têm contribuído para a
Paz no mundo, mas também têm sido usadas para criar divisão e alimentar hostilidades;
• o nosso mundo está assolado pela
violência, guerra e destruição, por vezes perpetradas em nome da religião;
• não haverá Paz verdadeira até que
todos os grupos e comunidades reconheçam a diversidade de culturas e
religiões da família humana, dentro de um espírito de respeito mútuo e compreensão.
A partir dessas considerações, os líderes religiosos e
espirituais do mundo inteiro se comprometeram, entre outras medidas, a:
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• condenar toda violência cometida em nome da religião,
buscando remover as raízes da violência;
• apelar a todas comunidades e grupos étnicos e nacionais
a respeitarem o direito à liberdade religiosa, procurando a reconciliação, e
a se engajarem no perdão e no auxílio mútuos;
• despertar em todos os indivíduos e
comunidades o senso de responsabilidade, compartilhada entre todos, pelo
bem-estar da família humana como um todo, e o reconhecimento de que todos os
seres humanos – independentemente de religião, raça, sexo e origem étnica –
têm o direito à educação, à saúde e à oportunidade de obter uma subsistência
segura e sustentável.
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O Compromisso com a Paz Global não é, portanto, apenas de nossos
padres, pastores, rabinos, imãs, monges, mestres, sacerdotes e sacerdotisas,
ialorixás e babalorixás, pajés… Ele é de todos nós. O compromisso pela Paz
não diz respeito somente aos grandes conflitos religiosos, às guerras, às
matanças em geral, à violência entre católicos e protestantes na Irlanda,
entre muçulmanos e judeus no Oriente Médio, entre hindus e muçulmanos na
Caxemira (fronteira da Índia com o Paquistão).
O compromisso
pela Paz tampouco diz respeito apenas às tragédias de um passado antigo: o
sangue derramado por cristãos e muçulmanos durante as Cruzadas; os negros
escravizados, torturados e assassinados no Brasil Colonial, sob a falsa
acusação, também feita aos índios, de que não possuíam alma; os seguidores da
Fé Bahá’í trucidados na antiga Pérsia (atual Irã); os judeus mortos ou
convertidos pela força durante a Inquisição; as mulheres queimadas vivas pelo
“crime” de “bruxaria”, simplesmente por cultuarem as sagradas forças da
natureza; os índios, dizimados, escravizados e catequizados, sem que o
catequizador entendesse e respeitasse a sua espiritualidade diferente.
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A intolerância religiosa não está distante de nós, no tempo e no
espaço. Não podemos simplesmente fechar os olhos e lavar as mãos. Nosso compromisso
com a Paz na Terra começa no nosso dia-dia. Dentro de nossa própria casa. Ao
nosso redor. No relacionamento com nosso próximo. Na maneira como respeitamos
ou deixamos de respeitar aquele nosso semelhante que, graças à infinita
sabedoria do Criador, nasceu com a capacidade de pensar livremente. E,
portanto, de pensar diferente.
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Quantos de nós já não sofreram algum tipo de preconceito simplesmente
por professar ou não uma fé? O preconceito sempre existe, ele vive à
espreita, ele se manifesta às vezes pela humilhação, às vezes pela violência.
Contra qualquer um de nós. Por isso, é tão necessário seguirmos todos a regra
de ouro da fraternidade, comum a quase todas as religiões: Não façamos ao
outro o que não queremos que seja feito a nós mesmos.
Nosso compromisso com a Paz na Terra diz respeito a seguir ou não a
vontade do Criador, a amar ou não amar nosso próximo. E amar nosso próximo,
ainda que ele pense diferente de nós, significa antes de tudo respeitá-lo, e
trabalhar para que esse nosso próximo tenha garantidos seus direitos à saúde,
à educação, ao trabalho, à liberdade de ir e vir e de pensar. Enfim, nosso
compromisso com a Paz na Terra significa zelar para que todos tenham direito
à grande obra do Criador: a VIDA!
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constituição brasileira
Art. 5º, inciso VI
É inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. |
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Por que temos religião? Ora, temos religião
porque somos seres humanos, e porque respiramos. Ou então: Temos religião
porque o Criador determinou que tivéssemos, e é nosso dever seguir a Sua
vontade. Ou ainda: Temos religião porque é ela quem nos liga de novo e sempre
ao Criador, e é por isso que se chama religião. Ou porque acreditamos que a
religião é o maior de todos os meios para a Paz no mundo e o contentamento
para todos os que nele habitam.
Ou, simplificando: Temos religião porque assim
decidimos, porque está entre os nossos direitos sagrados e humanos ter ou não
ter religião, e não cabe aos homens, nem aos governos exigirem que tenhamos
esta ou aquela, ou que não tenhamos nenhuma.
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Este é um assunto meu, entre a minha
consciência, entre o meu espírito e o Criador. O que cabe aos outros seres
humanos, aos meus irmãos e irmãs, é respeitar a minha escolha. O que cabe
aos governos é garantir a minha liberdade de escolha.
A liberdade religiosa é tão importante para
todos nós que está entre os direitos fundamentais do homem, merecendo
referência específica tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(artigo XVIII), assinada em 1948, quanto na Constituição Brasileira (artigo
5º, inciso VI), promulgada em 1988.
É fundamental, mas, ao mesmo tempo, tão
desrespeitada a liberdade religiosa no mundo inteiro que em vários momentos
da história os líderes espirituais e religiosos se reúnem para firmar um
compromisso pela Paz, como fizeram no ano 2000, em Nova York.
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Mas o primeiro evento inter-religioso oficial aconteceu ainda no
século XIX, em 1893, em Chicago, com a participação de líderes de apenas 16
religiões. Em 2004, em Barcelona, já eram centenas as religiões presentes ao
encontro promovido pelo Parlamento das Religiões do Mundo. Além do
Parlamento, também a Iniciativa das Religiões Unidas (URI) se dedica ao diálogo
inter-religioso no mundo, aos Direitos Humanos e à cultura da Paz, reunindo
88 tradições espirituais.
No Brasil, a liberdade religiosa também é tão
fundamental e desrespeitada que há sempre homens e mulheres de boa vontade e
diferentes crenças trabalhando juntos como agora, nesta cartilha sobre
Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Ou em tantos outros movimentos que
reúnem católicos, evangélicos, representantes indígenas e das religiões
afro-brasileiras, muçulmanos, judeus, taoístas, espiritualistas, budistas,
hinduístas, xintoístas, esotéricos… Todos unidos por uma causa justa:
combater a discriminação e a intolerância e lutar por melhores condições de
vida para todos.
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Ao final da IX Conferência Nacional de Direitos
Humanos (Brasília, 2004), representantes dos diversos setores religiosos do
Brasil assinaram o seguinte documento: “Declaramos a necessidade de se
buscar, por meio do diálogo inter-religioso, a valorização do ser enquanto
sujeito de sua própria história, independente de credo religioso. Somos
unânimes em repudiar qualquer ato de perseguição e intolerância religiosa.”
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É fundamental que o
diálogo entre as religiões, em defesa dos Direitos Humanos, no Brasil e no
mundo, seja sempre ampliado. Porque no exato momento em que você lê esta
cartilha, há um ser humano sofrendo algum tipo de discriminação, perseguição
ou até mesmo violência física, no Brasil e no mundo, numa pequena cidade do
interior, numa aldeia ou numa metrópole – pelo simples fato de pensar e agir
de acordo com sua crença.
E aqueles que
discriminam, perseguem e praticam violência contra seu semelhante dirão agir
assim em nome do Ser em que acreditam. Quando, na verdade, o Criador quer
exatamente o contrário: que seus filhos e filhas vivam em Paz, como irmãos e
irmãs.
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programa
nacional
dos direitos humanos Proposta 110
Prevenir e combater
a intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias e a cultos afro-brasileiros. |
Diferentes religiões ensinam que o homem foi
criado à imagem e semelhança do Criador. Algumas tradições afirmam que o
Criador fez esse primeiro homem com punhados de terra de todas as cores, a
fim de nos ensinar que todas as raças são, na verdade, uma só, e todos os
seres humanos são iguais em valor, independentemente da cor de sua pele. “Sou
negro, branco, amarelo, vermelho, mestiço...”, dizia Gandhi, o grande líder
que pregava a Paz e a igualdade entre os seres humanos e se valeu da
não-violência na luta vitoriosa pela independência da Índia.
Um dos maiores líderes pacifistas da história da
humanidade, Mahatma (“Grande Alma”) Gandhi era hinduísta, mas, como bom
exemplo do diálogo entre as religiões, amava o Sermão da Montanha, no qual
Jesus anunciou: bem-aventurados os misericordiosos, os obreiros da Paz, os
justos, os que fazem o bem, os que sofrem perseguição.
Ele próprio, Mahatma Gandhi, por sua vez, nos
ensinou: “Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias”. Seremos dignos das
bem-aventuranças? nossos atos para com os humildes, os que sofrem
perseguição, as minorias?
|
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A desproporção entre cristãos (maioria da
população brasileira) e seguidores de religiões tidas como “minoritárias” é
tão grande que a proposta 110 do Programa Nacional dos Direitos Humanos,
implantado em 1996, é exatamente “prevenir e combater a intolerância
religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias e a cultos
afro-brasileiros”.
Além da vontade do Criador e das leis terrenas,
o respeito pelas minorias é, também, uma questão de bom senso. Até porque
quem é maioria aqui pode virar a minoria logo ali, na próxima esquina.
Maioria no Brasil, os cristãos são minoria em países como a Indonésia, por
exemplo. Mais uma vez, a regra de ouro da fraternidade: não façamos ao outro
o que não queremos que seja feito a nós mesmos.
Preocupada com os constantes conflitos
religiosos no mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou, em
1981, a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e
discriminação fundadas em religião ou crença.
“Toda
pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião. Este direito inclui a liberdade de ter uma religião ou qualquer crença de sua escolha, assim como a liberdade de manifestar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto em público quanto em particular”, diz o primeiro artigo da Declaração da ONU, para, mais adiante, advertir:
“A discriminação entre seres humanos por motivos
de religião ou crença constitui uma ofensa à dignidade humana (…) e deve ser
condenada como uma violação dos Direitos Humanos e das liberdades
fundamentais, proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
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No Brasil, o artigo 33 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, prevista no texto da Constituição de 1988,
determina que a educação religiosa nas escolas públicas assegure “o respeito
à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo”. Ou seja: é obrigatório respeitar a liberdade religiosa do
aluno; é proibido tentar convertê-lo para esta ou aquela religião.
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O Código Penal Brasileiro, por sua vez,
considera crime (punível com multa e até detenção) zombar publicamente de
alguém por motivo de crença religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou
culto, e ofender publicamente imagens e outros objetos de culto religioso.
Mas a intolerância está aí, a desafiar a lei dos
hoens e a vontade do Criador. E as religiões afro-brasieiras têm sido as
principais vítimas dessa intolerância.
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Terreiros de umbanda e candomblé são os locais
de culto das religiões de matriz africana. São, portanto, tão sagrados quanto
qualquer outro templo, de qualquer religião. E, no entanto, esses terreiros
têm sofrido constantes ataques, em diversos pontos do Brasil. Objetos de
cultos são destruídos, seguidores de umbanda e candomlé chamados de
“adoradores do diabo” e suas celebrações e festas religiosas interrompidas,
de forma desrespeitosa, por pessoas de outras religiões.
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Para os seguidores da umbanda e do candomblé, é
bom repetir, o terreiro é um templo sagrado. Ninguém, de nenhuma religião,
gostaria que tal violência fosse cometida contra seu próprio templo. Quem
discrimina assim o seu semelhante comete, além de intolerância religiosa,
outro crime e pecado chamado racismo. Racismo é crime porque assim diz a lei.
E é pecado porque o Criador, conforme nos ensinam várias religiões, fez o
homem e a mulher à Sua imagem e semelhança; usou até areia de todas as cores,
como afirmam algumas tradições, para deixar bem claro que todas as cores, que
todos os seres humanos são iguais.
Quando foram arrancados de sua terra natal,
jogados em navios negreiros e escravizados no Brasil, mulheres e homens
africanos perderam quase tudo. Mas resistiram, mantendo sua religião, sua fé em Olorum (o Criador) e em outras divindades. Perderam quase tudo, mas não suas raízes, firmemente fincadas na ancestralidade. Além de território sagrado, os terreiros de umbanda e candomblé são, portanto, locais de resistência e preservação cultural, guardiães da memória de um povo. |
||
Mas, para aqueles que discriminam e desrespeitam
uma religiosidade simplesmente por achá-la diferente da sua, parece difícil
entender essa verdade.
A propósito, conta uma tradição oral de matriz
africana que no principio havia uma única verdade no mundo. Entre o Orun
(mundo invisível, espiritual) e o Aiyê (mundo natural) existia um grande
espelho. Assim tudo que estava no Orun se materializava e se mostrava no
Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual se refletia exatamente no
mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida em considerar todos os
acontecimentos como verdades. E todo cuidado era pouco para não se quebrar o
espelho da Verdade, que ficava bem perto do Orun e bem perto do Aiyê.
Neste tempo, vivia no Aiyê uma jovem chamava
Mahura, que trabalhava muito, ajudando sua mãe. Ela passava dias inteiros a
pilar inhame. Um dia, inadvertidamente, perdendo o controle do movimento
ritmado que repetia sem parar, a mão do pilão tocou forte no espelho, que se
espatifou pelo mundo. Mahura correu desesperada para se desculpar com Olorum
(o Deus Supremo).
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Qual não foi a surpresa da jovem quando
encontrou Olorum calmamente deitado à sombra de um iroko (planta sagrada,
guardiã dos terreiros). Olorum ouviu as desculpas de Mahura com toda a
atenção, e declarou que, devido à quebra do espelho, a partir daquele dia não
existiria mais uma verdade única. E concluiu Olorum: “De hoje em diante, quem
encontrar um pedaço de espelho em qualquer parte do mundo já pode saber que
está encontrando apenas uma parte da verdade, porque o espelho espelha sempre
a imagem do lugar onde ele se encontra”.
Portanto, para seguirmos a vontade do Criador, é
preciso, antes de tudo, aceitar que somos todos iguais, apesar de nossas
diferenças. E que a Verdade não pertence a ninguém. Há um pedacinho dela em
cada lugar, em cada crença, dentro de cada um de nós.
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programa
nacional
dos direitos humanos Proposta 113
Incentivar o diálogo entre
movimentos religiosos sob o prisma da construção de uma sociedade pluralista com base no reconhecimento e no respeito às diferenças de crença e culto. |
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No momento em que o grupo de trabalho encerrava,
em Brasília, a produção desta cartilha sobre Diversidade Religiosa e
Direitos Humanos, a capital do Brasil assistia a mais um ato explícito de
intolerância religiosa. Cerca de 3 mil católicos participavam de uma
celebração na Catedral Militar Rainha da Paz, em Brasília, quando um homem
subiu no altar, ergueu e jogou no chão a imagem de Nossa Senhora da Paz,
quebrando-a em pedaços. O homem acreditava que seu gesto era bom, porque
combatia o pecado da idolatria. “É o dia mais feliz da minha vida. Deus está
contente porque eu quebrei a imagem!”, disse ele, depois de ser preso.
|
||
Quem terá ensinado a esse homem que o Criador
fica contente quando seus filhos brigam, se desrespeitam, ofendem uns aos outros?
Quem terá ensinado a esse homem que Deus, em vez de Amor, é Intolerância e
Ódio?
O acontecimento foi amplamente noticiado pelo
jornal, rádio, televisão. E fez lembrar fato semelhante, ocorrido há alguns
anos. No dia 12 de outubro de 1995, diante das câmeras de um programa de
televisão, um pastor chutou a imagem de Nossa Senhora da Aparecida, para
mostrar que a santa de devoção de milhões de brasileiros não passava de um
“falso ídolo”, de uma “boneca de barro”. O pastor, cuja atitude foi reprovada
até pelos outros pastores e pela maioria do povo evangélico, acabou condenado
a dois anos e dois meses de prisão, pelos crimes de discriminação religiosa e
vilipêndio (ofensa) de imagem e objeto de culto religioso. E o episódio
também mereceu grande cobertura da imprensa.
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O trabalho de produção desta cartilha demorou,
ao todo, um ano e cinco meses. Neste meio tempo, quantos terreiros de umbanda
e candomblé terão sido invadidos? Quantos rituais de praticantes da Wicca,
que celebram a divindade da natureza e não desejam o mal a ninguém, terão
sido desrespeitados e chamados de “satânicos”? Quantos índios forçados a
adotar uma religião imposta pelos catequizadores atuais, que até hoje, 500
anos depois, ainda não foram capazes de entender que a espiritualidade
indígena, assim como a dos ciganos, tem características próprias e precisa
ser respeitada em sua diversidade? Quantos ciganos terão sido perseguidos e
agredidos por causa de sua etnia e de sua religião, mesmo motivo que os
condenou ao quase extermínio na Segunda Guerra Mundial, juntamente com os
judeus e outras vítimas da intolerância?
Quantos seres humanos terão sofrido algum tipo
de violência, cometida por alguém que acredita que Deus (ou qualquer outro
nome que tenha o Criador) fica contente com a sua intolerância? Com certeza,
muitos seres humanos. E sem que o resto do Brasil ficasse sabendo, porque
tais acontecimentos quase nunca são noticiados pelo jornal, rádio, televisão.
Mas a imprensa está coberta de razão quando dá o
merecido destaque a violências praticadas contra os católicos. A imprensa
peca é por omissão, quando não dá o mesmo merecido destaque a violências
praticadas diariamente contra religiões ditas “minoritárias”. Porque
intolerância religiosa não é “apenas” pecado contra a vontade do Criador.
Intolerância religiosa é, também, desrespeito aos Direitos Humanos. E é
crime, previsto no Código Penal Brasileiro.
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Mas no momento em que o grupo de trabalho
encerrava a produção desta cartilha sobre Diversidade Religiosa e Direitos
Humanos, uma boa notícia chegava, também de Brasília, também trazida pela
imprensa. A boa notícia é que, bem pertinho da capital do Brasil, numa vila
de pouco mais de mil moradores chamada Área Alfa, católicos e evangélicos
dividem o mesmo templo.
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No princípio, a Capela Sagrado Coração de Jesus
e Maria era só dos católicos. Os evangélicos faziam seus cultos numa pequena
casa desocupada, mas tiveram que abandoná-la. Ficaram sem templo. Mas por
pouco tempo.
Logo, a fé dos evangélicos acabou acolhida pela
capela dos católicos. Há três anos, todo domingo é assim: primeiro vem a
missa, e os católicos rezam; terminada a missa, é a hora do culto, e os
evangélicos oram, no mesmo lugar onde antes se celebrara a missa. Mas e as
imagens dos santos católicos, que tantas manifestações de intolerância têm
causado? Ah, os evangélicos recolhem cuidadosamente as imagens do Sagrado
Coração de Jesus, Imaculada Conceição de Maria, Nossa Senhora de Fátima e
Nossa Senhora do Rosário, guardam com todo cuidado num quartinho, e começam o
culto.
Os católicos dizem que compartilhar o mesmo teto
com os evangélicos é um bom fruto do diálogo religioso, e que todos são
cristãos, e que o templo é de todos. Os evangélicos agradecem – e contam:
quando os católicos têm problemas, pedem aos evangélicos que orem por eles;
e os católicos retribuem, rezando pelos evangélicos.
Em Pancas, no Espírito Santo, católicos e
luteranos se uniram para construir, com as próprias mãos, um mesmo teto para
suas crenças. No Rio de Janeiro, seguidores das religiões de matriz africana
e grupos católicos desenvolvem, em conjunto, ações sociais na área da saúde.
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Em São Paulo, representantes indígenas e das
religiões de matriz africana, zen-budistas, judeus, muçulmanos, metodistas,
católicos, luteranos, presbiterianos e espiritualistas, entre outros, se mobilizam
em iniciativas como a Campanha em defesa da liberdade de crença e contra a
intolerância religiosa, com o objetivo de incluir o tema na agenda brasileira
dos Direitos Humanos.
Pelo Brasil afora, diferentes igrejas cristãs,
reunidas em entidades como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic),
lutam juntas pelos Direitos Humanos, como na Campanha da Fraternidade de 2005
– Ecumênica: Solidariedade e Paz (Felizes os que promovem a Paz).
Experiências como essas, e tantas outras, de
convivência e respeito mútuo entre religiões diferentes, refletem a
pluralidade e a diversidade do Brasil e dos brasileiros. Experiências como
essas, e tantas outras, deixam contente o Criador.
Porque para isso foi criada a Humanidade: para
que sejamos todos irmãos e irmãs, para que vivamos em paz e harmonia, para
que nos amemos uns aos outros.
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Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Brasil – Um País de Todos – Governo Federal |
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Vida & Juventude
Centro Popular de Formação da Juventude ‑ vidaejuventude@bol.com.br |
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texto fornecido por César Bastos (CRDR),
diagramado por Gonçalo Medeiros (Mir-RJ e Instituto Sathya Sai de Educação) |
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SolBatt agradece sua visita!
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